segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Estádios e arenas


O assunto foi pautado pelo meu pai, que tem os seus 76 anos. Ele foi um dos privilegiados que viu jogar sem vídeo tape o Pelé, o Garrincha, o Didi, o Dirceu Lopes, o Bráulio, o Volmir, só pra citar alguns, nos quais a bola, por brincadeira dos anjos, colava-lhes aos pés e saíam campo afora, zombando de seus pobres e mortais zagueiros, para alegria dele, meu pai, entre tantos naquelas arquibancadas contemporâneas do velho Estádio dos Eucaliptos, hoje abandonado, à espera de mais um espigão insólito em Porto Alegre.
Falo do futebol arte, daquele que ríamos de prazer, de volúpia, ao ver o drible desconcertante, o “chapeuzinho”, a “meia-lua”, o “balãozinho”, o passe de 40 metros, o gol feito de bola colocada no ângulo, com a mesma habilidade do artista que pincelou o sorriso da Gioconda.
Pois faço esta consideração porque estamos vendo um sem número de projetos pelo País de Arenas para a prática do futebol. Explicam os mais modernos que esta é uma concepção mais ampla, mais adequada aos mercados consumidores de hoje, propiciando uma diversidade de eventos, de promoções, para mais gente, com mais lucros aos seus investidores, o que parece, justificar tudo hoje em dia.
O problema dessa modernidade da Arena é que ela reforça e enaltece esse futebol truculento, o chamado “futebol-força”, consagrado por este Dunga, tão antipático, coitado.
Fui procurar no “Aurelião” o significado exato da palavra “Arena” e achei o que suspeitava: “Área central, coberta de areia, nos antigos circos romanos, onde combatiam os gladiadores e as feras; circo, anfiteatro.” Fiz nova pesquisa. Para comparar, busquei a palavra “Estádio”: “Campo de jogos esportivos.” É preciso dizer mais alguma coisa?
Não parecemos mais querer craques, artistas, jogadores com a bola no pé, transformando arte em gols. No lugar disso, estamos procurando por feras, por gladiadores, por “matadores”, como hoje chamamos comumente o antigo center-alf, o centroavante, que era o autor das nossas alegrias de domingo.
É quase trágico o futebol que vemos agora. Triste para dizer o mínimo. Os exemplos são fartos, até na hora do gol, que deveria ser, sempre, o orgasmo de todos. O Ronaldo Nasário, que foi um mágico e um nobre da bola, comemorou os seus mais lindos gols sem entusiasmo, sem o salto e o soco no ar que tanto vimos com o Pelé e sua turma, quando o gol ainda era o refrão de composições inesquecíveis. Ronaldo, nesta era de atletas-de-laboratório, fez seus gols correndo para lugar nenhum, com um tímido dedo polegar em riste, colado ao lado do peito, num ato quase depressivo, contido, como que evitando a ira dos adversários que lhe caçavam durante o jogo todo, por orientação de seus técnicos botocudos, os da Era Dunga.
Fico a pensar para onde vamos, sem estádios, sendo hoje a arte uma provocação, uma exceção, algo a se interromper, custe o que custar. Temos cada vez mais arenas, modernas, tecnológicas, múltiplas, de gladiadores, de feras, de torcidas sedentas por virilidade, por demonstrações de coragem, a troco até de violência, se for preciso. Acho que consigo entender o desalento do Badu, um raro craque de 70/80, hoje meu colega na Rádio Guarujá.
Não me canso de ver a alegria das fotos de 70. Elas foram registradas em estádios, não em arenas.

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