sexta-feira, 21 de maio de 2010

A plantinha no quintal

Ando agora repassando Baudelaire. Talvez seja uma forma de me rebelar contra meus males, que são meus, raios! Em fim, eu tenho alguma coisa... Mas quase não admito meus. Publicamente, aponto muitos os causadores deles, dos meus males. Mas sei que estão dentro de mim, todos! Então, pra não parecer tão óbvia essa quimera, leio Baudelaire. É bom, lhes afirmo e até aconselho. Não sou o único, desconfio.
Achei uns versos bons dele, o que não é nenhum mérito. Mas estes, não sei porque – ou sei – me lembrou uma foto, feita por meu pai, da janela de um dos quartos da casa. Ela me veio e me instigou, junto com Baudelaire. Voialà:
“Sob um grande céu cinzento, uma grande planície poeirenta, sem caminhos, sem gramados, sem uma urtiga, sem um cardo, encontrei vários homens que andavam curvados. (...)
Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou de carvão, ou os apetrechos de um soldado da infantaria romana. (...)
Durante alguns instantes, teimei em querer compreender este mistério; mas em seguida a irresistível indiferença se abateu sobre mim, e me deixou mais duramente oprimido do que eles próprios por suas esmagadoras Quimeras. (...)”
Resolvi, por fim, abrir a foto na tela. Observei, pensei no Baudelaire e ... voialà:
A plantinha no quintal
Enquanto tentam nascer, mais e mais, lhes podamos, sacrificamos, impondo-lhes amarras;
Enquanto tentam renascer, usamos grades, aço, fórmulas sintéticas que a Natureza desconhece;
Enquanto tentam reflorir, invadimos com pedras polidas, cimento, sem o dó que nossos avôs tanto falavam;
Enquanto tentam ser belas, ignoramos seus avisos, sua sabedoria, suas e nossas evidências, sua soberania, que somos tão pequenos, cruéis e aéticos e que não conseguimos sequer impedir um bocado de sua beleza;
Bravo, plantinha! Nossas mais sinceras desculpas!

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